domingo, 10 de maio de 2009

Sugestão de leitura

Levei para os cursistas o texto abaixo. Fizemos uma ótima reflexão. Confira!

Material de apoio para estudos sobre o gênero: relato pessoal vivido
O ensino de Língua Portuguesa com gêneros


O início do ano é ocasião excelente para o planejamento de ensino de língua na escola. Atualmente, não é possível fazer esse planejamento apenas dividindo o tempo das aulas entre o ensino de gramática e as aulas de redação. É preciso fundamentar o planejamento no ensino integrado de leitura, escrita e gramática tendo os gêneros textuais como instrumento, como ferramenta, para a construção de competências leitoras e escritoras pelos alunos.
A orientação para o trabalho de ensino de língua a partir do uso de diferentes gêneros textuais no Ensino Fundamental é relativamente recente. Embora as pesquisas nessa área sejam anteriores, é com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (publicados pelo Ministério da Educação - MEC, em 1996), que essa proposta de trabalho começa a circular em âmbito nacional. De acordo com as orientações dos PCNs, os diferentes gêneros textuais devem ser trabalhados no Ensino Fundamental, desde as séries iniciais.
No Brasil, desde meados da década de 90, circulam artigos, teses, livros e materiais didáticos inspirados nessa abordagem. Essas produções procuram explorar diferentes aspectos do trabalho com gêneros textuais. Um desses aspectos estudados é a progressão curricular em espiral dos gêneros no ensino de língua, que procura responder a uma pergunta que se repete entre os professores: quais os gêneros mais adequados para cada série do Ensino Fundamental? Essa questão é orientadora do planejamento do ensino de Língua Portuguesa, tanto do planejamento anual como do planejamento desse ensino no sentido vertical, ao longo das nove séries do Ensino Fundamental.
As propostas de progressão curricular resultantes desses estudos têm como parâmetro, em geral, um quadro publicado no artigo Gêneros e progressão em expressão oral e escrita: elementos para reflexões para uma experiência suíça, escrito por Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly em 1996. Nele, os autores propõem agrupamentos de gêneros Narrar, Expor, Argumentar, Instruir e Relatar, organizados pelas semelhanças que as situações de produção dos gêneros de cada um dos agrupamentos possuem.
No agrupamento Narrar, são colocados os gêneros da cultura literária ficcional, como contos, lendas, romances, fábulas, crônicas. A situação de produção desses gêneros sempre envolve a ficção e a criação.
No agrupamento Expor, estão agrupados os gêneros científicos e de divulgação científica, e os didáticos constituídos para o ensino das diversas áreas de conhecimento. Estão nesse agrupamento os artigos científicos de todas as áreas do conhecimento, os relatos de experiências científicas, as conferências, os seminários, textos explicativos dos livros didáticos, os verbetes de enciclopédia e outros afins. A situação de produção desses gêneros sempre envolve a necessidade de divulgar um conhecimento resultante de pesquisa científica.
No agrupamento Instruir ou Prescrever figuram os gêneros com manuais de instrução de diferentes tipos, inclusive aqueles que acompanham máquinas, ferramentas e eletrodomésticos, as bulas de remédio, as receitas culinárias, as regras de jogo, os regimentos e estatutos e todos os demais gêneros cuja função é estabelecer formas corretas de proceder. A situação de produção desses gêneros sempre envolve a necessidade de informar como deve ser o comportamento daqueles que vão usar um equipamento ou medicamento ou realizar um procedimento.
No agrupamento Relatar estão os gêneros relacionados com a memória e a experiências de vida, como memórias literárias, diários íntimos, diários de bordo, depoimentos, reportagens, relatos históricos, biografias e outros semelhantes. Nas situações de produção desses gêneros está a necessidade de contar alguma coisa que realmente ocorreu, o que torna os relatos diferentes das narrativas, que são ficcionais.
No agrupamento Argumentar ficam os gêneros que têm origem nas discussões sociais de assuntos polêmicos, que provocam controvérsias. Estão nesse agrupamento as cartas de solicitação, cartas de leitor, cartas de reclamação, os debates políticos, os artigos de opinião jornalísticos, os editoriais e outros semelhantes. Nas situações de produção desses gêneros existem questões polêmicas que estão sendo discutidas em sociedade, e que exigem dos autores um posicionamento e a defesa desse posicionamento.
Os agrupamentos podem facilitar a escolha de gêneros adequados para cada série do Ensino Fundamental, possibilitando uma progressão em espiral para seu ensino. A expressão "progressão em espiral" significa que podemos criar eixos no planejamento do ensino de gêneros, um eixo para cada agrupamento. Criados os eixos, é possível escolher os mais adequados de cada agrupamento para cada série, retomando gêneros do mesmo agrupamento a cada ano que passa, para que os alunos possam ampliar, gradativamente, o domínio das capacidades de narrar, argumentar, expor, instruir e relatar.
Tomando o agrupamento Argumentar como exemplo, podemos afirmar que, até pouco tempo, qualquer pessoa diria que não se deve trabalhar argumentação nas séries iniciais. Hoje, porém, é outra a resposta. Ensinar a argumentar é um trabalho que pode ser feito com diferentes gêneros textuais, e é possível começar bem cedo, já nas séries do primeiro ciclo, com os debates orais, cartas de leitor e cartas de solicitação, por exemplo.
Todos os outros agrupamentos possibilitam reflexão semelhante. É possível um trabalho com gêneros expositivos nas séries do primeiro ciclo, se iniciarmos sua exploração por verbetes de enciclopédia; com gêneros narrativos, podemos começar com pequenos contos, como os contos acumulativos, aqueles em que há uma espécie de refrão que se repete, ótimos para o período de alfabetização; com gêneros do agrupamento instruir, podemos começar com as receitas culinárias; com gêneros do relatar, podemos trabalhar com as crianças menores lendo e escrevendo pequenas biografias, por exemplo.
Se trabalharmos com muitos gêneros narrativos ao longo do Ensino Fundamental, nas séries finais poderemos trabalhar com a leitura de romances, por exemplo, e obter ótimo aproveitamento. Se começarmos a trabalhar com gêneros expositivos a partir de pequenos verbetes de enciclopédia infantil, lá no início do Fundamental, e formos ampliando o estudo desses gêneros ao longo das demais séries, poderemos trabalhar textos de informação científica nas séries finais com tranqüilidade. Se o leitor desejar maiores informações sobre o assunto, pode ler o livro indicado abaixo, composto por artigos de Schneuwly&Dolz e colaboradores (1), que tratam de diferentes aspectos do ensino de gêneros textuais na escola. Em seguida,você encontrará uma indicação de resenha desse livro (2), que dá uma boa visão geral do que nele é proposto.
1) SCHNEUWLY, B., DOLZ, J. & colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. e org. de Roxane Rojo e Glais Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004.
(2) Resenha:Gêneros orais e escritos na escola, na seção Links

Caracterização do gênero relato de experiências vividas
(out/2008)
Kátia Lomba Bräkling[1]

relato de experiência vivida: características gerais
Classificação Dolz e Schneuwly[2]
Domínio Social da Comunicação
Memorização e documentação de ações humanas.
Capacidades de Linguagem Dominantes
Representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo.
Aspectos Tipológicos Predominantes
Relatar.
A situação de comunicação
produtor do texto
Uma pessoa – ou um grupo - que relata fatos vivenciados por ela (individualmente ou não), a fim de compartilhar experiências ou para organizar registros que organizem a memória de aspectos da vida relacionados com situações específicas, tempos e temas determinados.
interlocutor
Leitores que se interessarem pelo compartilhamento das experiências em questão.
portadores possíveis
Livros, revistas, blogues, diários, memoriais, dossiês.
finalidade
Construir uma memória escrita de situações vivenciadas, compartilhando experiências vividas.
conteúdo temático
Situações vivenciadas por uma pessoa (individualmente ou não), relacionadas com períodos específicos da sua vida (infância, adolescência, férias na escola, segundo ano de escolaridade...), espaços determinados (acontecimentos ocorridos no sítio, tempo de residência no interior, tempo vivido na cidade grande, tempo de vida num apartamento), temas pontuais (travessuras, situações engraçadas, situações tristes, momentos de medo, demonstrações de amizade, situações de bullling, p. e.).

organização interna

a) Contextualização inicial do relato, identificando tema/espaço/período.
b) Identificação do relator como sujeito das ações relatadas e experiências vivenciadas.
c) Referência à(s) ação(ões)/situação(ões) que será(ão) relatada(s).
d) Apresentação das ações seqüenciando-as temporalmente, estabelecendo relação com o tema/espaço/período focalizado no texto, explicitando sensações, sentimentos, emoções provocados pelas experiências. Nesse processo poderá ou não ser estabelecida relação de causalidade entre as ações/fatos relatados, pois se trata de ações acontecidas no domínio do real e, dessa maneira, o que define a relação de causalidade são os fatos, em si, ou a perspectiva/compreensão do relator.
e) Encerramento, pontuando os sentimentos, efeitos, repercussões das ações relatadas na vida do relator e dos envolvidos.
f) A experiência vivenciada por uma pessoa, pode envolver terceiros, o que pode derivar na introdução das vozes desse terceiro no relato elaborado.
marcas Lingüísticas

a) Relato de experiência vivida é organizado na primeira pessoa, seja do singular ou do plural. Essa marca de autoria se revela na pessoa do verbo e, além disso, nos pronomes pessoais utilizados. Por exemplo:
a. Lembro-me bem da maneira como ele me falou;
b. A partir de então, todos nós passamos a não mais ir pra escola por aquele caminho;
c. Eu, Juca e Mariela, a partir daquele momento, nos coçamos de curiosidade...;
d. Desde então nos sentimos responsáveis por tudo o que...;
b) O relato rememora experiências. Dessa forma, na textualização sempre haverá marcas desse processo por meio da alternância entre hoje e ontem, aqui e lá:
a. Hoje, quando penso na maneira como tudo aconteceu...;
b. Naquela época, quando estudava na escola D. João VI, eu não pensava como agora, certo?
c) Como se trata de ações organizadas no eixo temporal, essas marcas também serão explicitadas por meio dos tempos verbais utilizados e dos articuladores textuais:
a. Depois daquele dia...;
b. Em seguida, MAriela saiu correndo pela praça...;
c. Naquela semana não dissemos uma palavra sobre o assunto;
d. Dois dias depois para nossa surpresa, o casaco apareceu bem diante de nossos olhos.
d) Como se trata de experiência pessoal, sempre haverá a marca das sensações, efeitos, repercussões da experiência no sujeito relator: fiquei surpreso naquele...; decepcionei-me com...; fiquei confuso com a reação de...; aquela situação provocou-me uma reflexão sem precedentes..., por exemplo.
e) As experiências relatadas acontecem sem um contexto que pode ou não envolver terceiros. Nessa perspectiva, é possível que, no texto, sejam introduzidas as vozes desses terceiros, quer seja por meio do discurso indireto, quer seja por meio de discurso direto. Se houver essa introdução, as marcas da mesma comporão o texto com a utilização dos recursos cabíveis:
a. em discurso indireto, organização sintática que recupere a fala do outro: fulano afirmou que...; naquele momento Marina disse que..., por exemplo;
b. em discurso direto:
i. coordenação entre dois pontos, parágrafo e travessão;
ii. coordenação entre dois pontos e aspas;
iii. coordenação entre dois pontos e travessão;
iv. utilização de verbos dicendi:
1. antecipadamente, para anunciar a fala do outro: Então, ele me perguntou: — Posso levar esse livro emprestado?; Em seguida, ele disse: — Acho que, agora, você pisou mesmo na bola...; Ao que ele me respondeu: — Vamos lá! Não estou fazendo nada mesmo .., por exemplo;
2. no meio do discurso do outro, explicando quem está falando (e aqui se utiliza os travessões para separar essa indicação: — Nesse momento – disse Maria procurando justificar-se – não posso ir até o mercado...;
3. posteriormente ao discurso do outro, para recuperar a origem da fala: — Peço-te segredo disso tudo, está bem? – solicitou Jorge misterioso.
f) Pode haver marcas do diálogo do relator com o interlocutor. Nesse sentido, poderão aparecer pronomes pessoais e de tratamento para explicitar essa relação. Por exemplo:
a. Você quer saber? A partir daquele dia não me interessei mais por casas abandonadas...;
b. Mas depois desse grito – pode acreditar – fiquei muito mais aliviado.

EXEMPLO:

PROPOSTA: Escrevam uma experiência que vocês viveram, algo que foi importante para vocês.


Dançando balé
Quando eu tinha quatro anos já sabia o que queria ser quando crescer.
Eu ganhei de batizado do meu pai um vestidinho branco, rosa e com detalhes verdes, era muito bonito, mas me batizei cedo então obveamente quando fiz quatro o vestido ficou muito pequeno.
Mesmo com o vestido não me servindo mais, eu colocava, era tão pequeno que os babados ficavam acima dos joelhos e assim ficava parecido com um vestido de bailarina, a única era que elas usam meia rosa por baixo e uma sapatilha, mas eu nem ligava, quando tocava qualquer música eu dançava com o vestido.
Mais tarde já com sete anos falei para minha mãe que gostaria de ter aulas de balé, mas isso eu nem precisava falar minha família já sabia que eu adorava balé.
Então minha mãe já ficou atenta a qualquer informação até que um dia ficamos sabendo que no centro da cidade na biblioteca o centro cultural de Suzano tinha o que precisávamos, e quando isso aconteceu eu já tinha sete anos.
Quando fiz oito, minha mãe foi tentar fazer minha escrição tinha que ser cedo se não a fila crescia... e quando chegasse a vez dela as escrições já haveriam acabado.
Minha mãe fez o possível, mas as vagas acabaram e a gente teve que se conformar e esperar o ano seguinte.
Já no outro ano quando eu tinha nove anos, assim que minha mãe me deixou na escola correu para lá e desta vez ela conseguiu.
Hoje eu faço balé a dois anos já me apresentei quatro vezes e minha professora está montando mais uma coreografia para o fim do ano, lá tenha várias amigas e mesmo com o balé sendo uma dança diciplinada a gente brinca muito e se diverte, eu amo dançar balé.
(Jéssica, 10 anos)

[1] Kátia Lomba Bräkling Pedagoga e Mestre em Lingüística Aplicada pela PUC de SP; Professora da Pós-Graduação ISE Vera Cruz (São Paulo – SP); Coordenadora de Língua Portuguesa do Colégio Hebraico-Renascença (São Paulo); Assessora da Secretaria Estadual de Educação – e outras instituições - na Área de Ensino da Linguagem.
[2] A partir da classificação de Dolz, Joaquim & Schneuwly, Bernard; Gêneros e Progressão em Expressão Oral e escrita; Universidade de Genebra, Suíça; mimeo.

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